terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O EGIPTO, SEGUNDO BIEKE DEPOORTER

O tratamento da cor e da luz fazem lembrar outro grande fotógrafo, Jean-Marc Tingaud (n. 1947). O trabalho da jovem Bieke Depoorter (n. 1986) tem, contudo, um vincado cariz social. De tal modo que preferiu sacrificar a limpidez das imagens aos comentários que sobre elas lhes foram enviados. O catálogo parece um caderno de apontamentos, estranho e denso de palavras.




A CIDADE

Disseste; “Vou partir para outra terra, vou partir para outro mar.
Uma outra cidade melhor do que esta encontrar-se-á.
Cada esforço meu um malogro escrito está;
e é – como morto – enterrado o meu coração.
A minha mente até quando irá ficar nesta estagnação.
Para onde quer que eu olhe, para onde quer que eu fite por aí
ruínas negras da minha vida vejo aqui,
onde tantos anos passei e dizimei e dei em estragar”.
Lugares novos não vais encontrar, não encontrará outros mares.
A cidade seguir-te-á. De volta pelos caminhos errarás
os mesmos. E nos bairros os mesmos envelhecerás;
e dentro destas mesmas casas cobrir-te-ás de cãs.
Sempre a esta cidade chegarás. Para os noutra parte – esperanças vãs –
não há barco para ti, não há partida.
Assim como dizimaste aqui tua vida
neste pequeno recanto, em toda a terra a vi estragares.

Konstandinos Kavafis (Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis)

É impossível não evocar Kavafis, mesmo que a realidade de que ele fala não fosse exatamente esta, posto que o seu Egito também não era este. Mas uma certa ideia de abandono, e de desesperança, está presente em muitos dos seus textos. As fotografias de Bieke Depoorter falam também de cidades, de abandono e de deseperança. Ali, a Primavera Árabe não chegou.

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