sexta-feira, 1 de abril de 2016

ESTÚDIO C

ESTÚDIO C – 50 ANOS DEPOIS

Passam, ou iriam passar, 50 anos no dia 12 de abril. O Estúdio C, de Carlos Ferreira, abriu as portas no dia 12 de abril de 1966. Poucas pessoas tinham máquinas “de tirar retratos”. Os que tinham, e alguns até iam de férias, passavam depois à do senhor Carlos, para deixarem os rolos para revelação. Mas a principal clientela do Estúdio C eram os jovens casais, que iriam casar e ali tinham a garantia de uma reportagem de qualidade. E, bem entendido, as fotos-tipo-passe de que necessitávamos para o bilhete de identidade ou para outros documentos.

Guardo imagens impressivas da minha primeira fotografia. A minha mãe ordenou “vais à do Carlos, pedes 12 fotografias [aquilo era por atacado] e dizes que eu depois passo lá”. Eu, timidíssimo e mãezeiro, afirmei “não vou” e bati com o pé no chão. Levei uma nalgada e fui. Claro. O estúdio tinha uma máquina como eu nunca tinha visto e uns holofotes enormes. “Levanta a cabeça, endireita os ombros, olha aqui para a minha mão, vá lá um sorrisinho”, o Carlos com um ar alegre e simpático e eu embezerrado. Um clarão imenso e o anúncio “já está!”. Fiquei quieto e recordei “ainda faltam 11”. O fotógrafo deu uma imensa gargalhada e explicou “é só uma, dessa faço cópias”. Fiquei vexadíssimo.

Ao longo dos anos, Carlos Ferreira, além de construir a memória de várias gerações deste concelho, foi fazendo um percurso de grande interesse artístico. Retratos, paisagens, monumentos, o bucolismo da região, os homens e as mulheres do povo, os ciganos (em especial os ciganos) passaram pela objetiva deste mourense. Tinha máquinas de qualidade – recordo uma Hasselbald -, que só o ajudavam a majorar o talento. O tom épico das paisagens ou o tratamento da luz no estúdio faria inveja a muitos. A mim faz, e eu nem fotógrafo sou...

Ao longo de cinco décadas, o Estúdio C foi assim. Há trabalhos que talvez ainda existam, mas cujo paradeiro desconheço. Recordo um, extraordinário e que me lembrava a arte centro-africana, que decorava uma das paredes do Clube de Campismo. Lembro-me, como todos nós seguramente nos lembramos, das montras feitas para as Festas de Nossa Senhora do Carmo. Momentos únicos, criativos e baseados na inspiração do momento. Um dia perguntei “você tem registos disso tudo, não tem?”. A resposta foram um sorriso, um encolher de ombros e a frase “tenho para aí de quatro ou cinco anos, não mais; as coisas só me interessam no momento”. Fiquei perplexo e pensei nessa frase muitas vezes. Carlos Ferreira é um homem mediterrânico, um artista deliberadamente do efémero, daqueles que sabiamente vive os momentos mas não se preocupa excessivamente em deixar essa marca para o futuro.


O Estúdio C já não existe. Mudou há tempos de mãos e deixou um vazio na nossa Moura. A Câmara Municipal irá agora elaborar um projeto de recuperação do arquivo fotográfico. Não irá ser fácil consegui-lo. Vai ser preciso recuperar negativos, tratar e catalogar o espólio. Vai ser imprescindível salvar trabalhos de Arte, porque de Arte se trata. Um desafio importante porque meio século na história da cidade e na vida de todos nós não é coisa pouca.  Carlos Ferreira merece esse esforço. Nós também.


Crónica publicada hoje, em "A Planície". A fotografia data de julho de 2011: a arqueologia foi o tema da montra da festa, nesse ano.

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