quinta-feira, 13 de agosto de 2015

TAVIRA

Foi salva por não estar mesmo em cima da praia... No resto do Algarve, os povoados do litoral foram consumidos pelo turismo e, supostamente, pelo progresso. Cinquenta anos de turismo e, supostamente, de progresso, tornaram sítios notáveis como Albufeira e, até, Lagos (uma das últimas a capitular) em amadoras com areal e mar tépido. Sobrou Tavira. Uma cidade bonita.


Água-forte de Bartolomeu Cid dos Santos (1931-2008), datada de 1966, para palavras de Álvaro de Campos.


NOTAS SOBRE TAVIRA
Cheguei finalmente à vila da minha infância.
Desci do comboio, recordei-me, olhei, vi, comparei.
(Tudo isto levou o espaço de tempo de um olhar cansado).
Tudo é velho onde fui novo.
Desde já — outras lojas, e outras frontarias de pinturas nos mesmos prédios —
Um automóvel que nunca vi (não os havia antes)
Estagna amarelo escuro ante uma porta entreaberta.
Tudo é velho onde fui novo.
Sim, porque até o mais novo que eu é ser velho o resto.
A casa que pintaram de novo é mais velha porque a pintaram de novo.
Paro diante da paisagem, e o que vejo sou eu.
Outrora aqui antevi-me esplendoroso aos 40 anos — Senhor do mundo —
É aos 41 que desembarco do comboio [indolentão?].
O que conquistei? Nada.
Nada, aliás, tenho a valer conquistado.
Trago o meu tédio e a minha falência fisicamente no pesar-me mais a mala...
De repente avanço seguro, resolutamente.
Passou roda a minha hesitação
Esta vila da minha infância é afinal uma cidade estrangeira.
(Estou à vontade, como sempre, perante o estranho, o que me não é nada)
Sou forasteiro tourist, transeunte.
E claro: é isso que sou.
Até em mim, meu Deus, até em mim.
8-12-1931
Álvaro de Campos

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