sexta-feira, 29 de agosto de 2014

PAVILHÃO DAS CANCELINHAS (AMARELEJA)

Pavilhão das Cancelinhas - simulação


PAVILHÃO DAS CANCELINHAS (AMARELEJA)

O início da obra de reabilitação da antiga escola primária das Cancelinhas, na Amareleja, tem sido pretexto para um ataque continuado à Câmara Municipal e, em especial, ao atual  presidente, que foi, desde 2008, um dos principais protagonistas neste processo. Tal ataque, feito, como convém a alguns, com um misto de falsidades e meias-verdades, é vantajoso para quem de trabalho de fundo e com perspetivas de futuro pouco tem a apresentar.

Vejamos, em 10 pontos, a realidade deste projeto:

1. O projeto do pavilhão é uma imposição da Câmara de Moura. FALSO. O projeto foi desenvolvido pela Junta de Freguesia de Amareleja, a partir de 2008, com o apoio camarário. Quando o atual presidente da junta entrou em funções o projeto já estava concluído.

2. Este projeto foi um prejuízo para a Junta de Freguesia. FALSO. O projeto foi integralmente pago pela Câmara Municipal. O montante ronda os 60.000 euros.

3. A obra avançou para não se perderem fundos comunitários. FALSO. A obra só foi lançada a concurso em 2013, por expirar nesse ano um protocolo de cedência das instalações à junta, e uma vez que o espaço das Cancelinhas é propriedade camarária. Obviamente, enquanto a Junta ocupou o espaço, e ante a oposição do atual presidente da junta não havia condições para se avançar. Gostava de saber qual foi a fonte autorizada que produziu tal afirmação ou onde é que algumas mentes pouco iluminadas foram buscar a ideia de uma obra que tem de avançar à pressa por causa de dinheiros comunitários...

4. A obra está a ser integralmente paga pela Câmara Municipal. VERDADEIRO. Duas ideias a este respeito: primeiro, este investimento (750.000 euros só para a fase em construção) prova que não há qualquer discriminação em relação à Amareleja; segundo, a candidatura para financiamento que apresentámos permitirá um apoio importante, em caso de aprovação. Mas a obra será concluída em 2015, com dinheiros comunitários ou sem eles.

5. O espaço é pequeno para a Feira do Vinho. VERDADEIRO e FALSO. Para a feira em si, o espaço é suficiente. O que tem acontecido é a transformação de cerca de 1/3 da tenda em sala de espetáculos, durante os dias da feira. O futuro modelo de funcionamento passará pelo uso da sala principal como local de exposições e pela criação de um espaço temporário para animação musical.

6. O pavilhão é um caixote e um mamarracho. FALSO, na minha opinião. O arquiteto Vitor Mestre é um nome de grande prestígio na arquitetura portuguesa, com intervenções de elevada qualidade. Poder ccontar com a colaboração dele neste projeto na Amareleja é, para todos nós e em especial, para a nossa vila, uma oportunidade única. Quando a obra estiver concluída, poderemos constatar isso mesmo.

7. O edifício não permite a prática desportiva com público. VERDADEIRO. Uma coisa é um pavilhão como este, que permite uma multiplicidade de usos. Outra, bem diferente, é a construção de um gimnodesportivo com bancadas. A “simplicidade” do multiusos custa 750.000 euros. Um gimnodesportivo, com as exigências da atual legislação, ficaria acima de 2 milhões de euros. E para esse investimento não temos capacidade.

8. Aquele projeto poderia ter sido transferido para a Fábrica. FALSO. Do ponto de vista técnico, o projeto foi desenhado para aquele local. A sua “transferência” para outro local implicaria um novo projeto. E mais dispêndio de dinheiro.

9. Na Fábrica caberia o multiusos e muito mais. VERDADEIRO. Conheço muito bem o processo da Fábrica. Fui eu quem negociou, com o então Diretor-Geral do Património do Estado, Durães da Conceição, a aquisição do edifício. A Fábrica está apta para receber vários equipamentos. É só uma questão de capacidade financeira. E é só fazer contas. Estimando-se em 800/900 euros o metro quadrado de construção, basta uma simples máquina de calcular para nos dar os números. Um pavilhão com 750 m2? 750.000 euros. Um gimnodesportivo com 65x40 m. de área coberta? Acima de 2 milhões de euros. Um museu etnográfico, com 600 m2? Um pouco acima de 500.000 euros, sem considerar a montagem da exposição propriamente dita. Mandar umas bocas numa roda de amigos é fácil. Concretizar obras é bem mais difícil…

10. O pavilhão é uma inutilidade e uma afronta para a Amareleja. Obviamente FALSO. O pavilhão terá uso continuado ao longo do ano. Servirá para Feira do Vinho, para apoio à prática desportiva do Grupo Desportivo Amarelejense, para a Comissão de Festas e para todo o tipo de eventos que se queiram organizar. Não é afronta ou desafio a ninguém e representa um dos maiores investimentos em curso no concelho.


Ao contrário do que alguns possam pensar, não considero o avanço desta obra uma vitória sobre a Junta da Amareleja ou sobre o seu presidente. Não é assim que vejo as coisas. O pavilhão não é uma derrota para ninguém. Estou feliz por, na qualidade de autarca e de descendente de amarelejenses, ter podido dar o meu empenhado contributo a este processo. Considero-o uma mais valia para a Amareleja e para o concelho no seu todo. O tempo, disso estou certo, me dará razão.

Texto publicado hoje, em "A Planície".

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

UMA CIDADE E O SEU MUSEU: 3/20 - VATICANO

Pode parecer um pouco disparatado que a minha memória primeira de um museu seja a escada de saída. Antes, entrava-se por uma e saía-se por outra. Havia um rumor estranho, um tropel ininterrupto, que marcava o acesso ao Museu do Vaticano. Gostei mais da primeira ida lá, em 1992, que da segunda, em 2009. Porque há vinte anos o museu ainda tinha laivos deliciosamente arcaicos, que entretanto perdeu.

O mais engraçado é que a escada, bramantiana, só foi desenhada no século XX, pelo arquiteto Giuseppe Momo (1875-1940), datando a sua inauguração de 1932.

Haverá outros motivos de interesse no Vaticano, decerto. Para um agnóstico impenitente, o Museu vem em primeiro lugar. E aquela extraordinária escada dá um toque de magia ao sítio. Acreditem em mim.


Site do museu: www.museivaticani.va

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

HELLO, MY NAME IS MONTAGUE WILLIAM 3rd

Com um especial agradecimento à minha querida amiga Cristina Cordeiro, aqui vai este texto de Craig-James Moncur:


Hello, my name is Montague William 3rd
And what I will tell you may well sound absurd
But the less who believe it the better for me
For you see I’m in Banking and big industry
For many a year we have controlled your lives
While you all just struggle and suffer in strife
We created the things that you don’t really need
Your sports cars and Fashions and Plasma TV’s
I remember it clearly how all this begun
Family secrets from Father to Son
Inherited knowledge that gives me the edge
While you peasants, people lie sleeping at night in your beds
We control the money that controls your lives
Whilst you worship false idols and wouldn’t think twice
Of selling your souls for a place in the sun
These things that won’t matter when your time is done
But as long as they’re there to control the masses
I just sit back and consider my assets
Safe in the knowledge that I have it all
While you common people are losing your jobs
You see I just hold you in utter contempt
But the smile on my face well it makes me exempt
For I have the weapon of global TV
Which gives us connection and invites empathy
You would really believe that we look out for you
While we Bankers and Brokers are only a few
But if you saw that then you’d take back the power
Hence daily terrors to make you all cower
The Panics the crashes the wars and the illness
That keep you from finding your Spiritual Wholeness
We rig the game and we buy out both sides
To keep you enslaved in your pitiful lives
So go out and work as your body clock fades
And when it’s all over a few years from the grave
You’ll look back on all this and just then you’ll see
That your life was nothing, a mere fantasy
There are very few things that we don’t now control
To have Lawyers and Police Force was always a goal
Doing our bidding as you march on the street
But they never realise they’re only just sheep
For real power resides in the hands of a few
You voted for parties what more could you do
But what you don’t know is they’re one and the same
Old Gordon has passed good old David the reigns
And you’ll follow the leader who was put there by you
But your blood it runs red while our blood runs blue
But you simply don’t see its all part of the game
Another distraction like money and fame
Get ready for wars in the name of the free
Vaccinations for illness that will never be
The assault on your children’s impressionable minds
And a micro chipped world, you’ll put up no fight
Information suppression will keep you in toe
Depopulation of peasants was always our goal
But eugenics was not what we hoped it would be
Oh yes it was us that funded Nazis!
But as long as we own all the media too
What’s really happening does not concern you
So just go on watching your plasma TV
And the world will be run by the ones you can’t see

Curiosamente, há aqui pontos de contacto com o discurso final de Mark Renton/Ewan McGregor (n. 1971), em Trainspotting, realizado em 1996 por Danny Boyle (n. 1956). Um filme brilhante que também é, sem o parecer, sobre a luta de classes.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

E ESTE VERÃO QUE NÃO COMEÇA


No verão, à noite, as nuvens de mosquitos
caíam sobre as casas. Eu via-os, de volta
das lâmpadas, formando uma névoa agitada
pelo brilho fraco da electricidade. Vinham
dos arrozais, dos pântanos, dos rios estagnados
pelo calor; mas nunca soube para onde iam
quando, passada a noite, a madrugada surgia
limpa e branca, como as casas da aldeia.

Nesse verão, muitas coisas se passaram:
alguns velhos morreram; começaram as obras
na igreja, e as lages com inscrições antigas
deram lugar a um chão de madeira; o
cinema ambulante trouxe alguns filmes
de capa e espada, mas o rapaz salvou-se
sempre; e uma máquina fotográfica registou
os andores que traziam à rua os santos,
na festa de agosto, de mistura com rostos
que julgava esquecidos na minha memória.
(Só o padre, segurando o cálice, mantém a
mesma expressão dura e atenta, como convém
ao representante de deus entre os homens).

Há quem diga que esses verões acabaram. De
facto, as casas já não precisam de mosquiteiros,
o cinema ambulante acabou, e o padre limita-
-se a ser o nome de uma rua, e qualquer dia
já nem isso. Mas quando as luzes se acendem,
ainda com dia, é como se uma névoa surgisse
do passado, com os mosquitos, as falhas
na corrente quando o filme ia a meio, e os
gritos que dávamos no escuro, até a luz voltar.


O poema é de Nuno Júdice (n. 1949), a pintura do tirolês Leo Putz (1869-1940). Do poema não tenho a data, a tela tem a ver com o verão, é de 1907, mas não sei o seu título. O mundo não é um sítio perfeito... E este verão nem verão é. Pode ser que ainda comece, um dia destes.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

TREINTA O CUARENTA MOLINOS


En esto descubrieron treinta o cuarenta molinos de viento que hay en aquel campo, y así como Don Quijote los vió, dijo a su escudero: la ventura va guiando nuestras cosas mejor de lo que acertáramos a desear; porque ves allí, amigo Sancho Panza, donde se descubren treinta o poco más desaforados gigantes con quien pienso hacer batalla, y quitarles a todos las vidas, con cuyos despojos comenzaremos a enriquecer: que esta es buena guerra, y es gran servicio de Dios quitar tan mala simiente de sobre la faz de la tierra. ¿Qué gigantes? dijo Sancho Panza.
Aquellos que allí ves, respondió su amo, de los brazos largos, que los suelen tener algunos de casi dos leguas. Mire vuestra merced, respondió Sancho, que aquellos que allí se parecen no son gigantes, sino molinos de viento, y lo que en ellos parecen brazos son las aspas, que volteadas del viento hacen andar la piedra del molino. Bien parece, respondió Don Quijote, que no estás cursado en esto de las aventuras; ellos son gigantes, y si tienes miedo quítate de ahí, y ponte en oración en el espacio que yo voy a entrar con ellos en fiera y desigual batalla. Y diciendo esto, dio de espuelas a su caballo Rocinante, sin atender a las voces que su escudero Sancho le daba, advirtiéndole que sin duda alguna eran molinos de viento, y no gigantes aquellos que iba a acometer. Pero él iba tan puesto en que eran gigantes, que ni oía las voces de su escudero Sancho, ni echaba de ver, aunque estaba ya bien cerca, lo que eran; antes iba diciendo en voces altas: non fuyades, cobardes y viles criaturas, que un solo caballero es el que os acomete. Levantóse en esto un poco de viento y las grandes aspas comenzaron a moverse, lo cual visto por Don Quijote, dijo: pues aunque mováis más brazos que los del gigante Briareo, me lo habéis de pagar.
Y en diciendo esto, y encomendándose de todo corazón a su señora Dulcinea, pidiéndole que en tal trance le socorriese, bien cubierto de su rodela, con la lanza en ristre, arremetió a todo el galope de Rocinante, y embistió con el primer molino que estaba delante; y dándole una lanzada en el aspa, la volvió el viento con tanta furia, que hizo la lanza pedazos, llevándose tras sí al caballo y al caballero, que fue rodando muy maltrecho por el campo. Acudió Sancho Panza a socorrerle a todo el correr de su asno, y cuando llegó, halló que no se podía menear, tal fue el golpe que dio con él Rocinante. ¡Válame Dios! dijo Sancho; ¿no le dije yo a vuestra merced que mirase bien lo que hacía, que no eran sino molinos de viento, y no los podía ignorar sino quien llevase otros tales en la cabeza? Calla, amigo Sancho, respondió Don Quijote, que las cosas de la guerra, más que otras, están sujetas a continua mudanza, cuanto más que yo pienso, y es así verdad, que aquel sabio Frestón, que me robó el aposento y los libros, ha vuelto estos gigantes en molinos por quitarme la gloria de su vencimiento: tal es la enemistad que me tiene; mas al cabo al cabo han de poder poco sus malas artes contra la voluntad de mi espada. Dios lo haga como puede, respondió Sancho Panza. Y ayudándole a levantar, tornó a subir sobre Rocinante, que medio despaldado estaba; y hablando en la pasada aventura, siguieron el camino del puerto Lápice, porque allí decía Don Quijote que no era posible dejar de hallarse muchas y diversas aventuras, por ser lugar muy pasajero; sino que iba muy pesaroso por haberle faltado la lanza y diciéndoselo a su escudero, dijo: yo me acuerdo haber leído que un caballero español, llamado Diego Pérez de Vargas, habiéndosele en una batalla roto la espada, desgajó de una encina un pesado ramo o tronco, y con él hizo tales cosas aquel día, y machacó tantos moros, que le quedó por sobrenombre Machuca, y así él, como sus descendientes, se llamaron desde aquel día en adelante Vargas y Machuca. Hete dicho esto, porque de la primera encina o roble que se me depare, pienso desgajar otro tronco tal y bueno como aquel, que me imagino y pienso hacer con él tales hazañas, que tú te tengas por bien afortunado de haber merecido venir a verlas, y aser testigo de cosas que apenas podrán ser creídas. A la mano de Dios, dijo Sancho, yo lo creo todo así como vuestra merced lo dice; pero enderécese un poco, que parece que va de medio lado, y debe de ser del molimiento de la caída. Así es la verdad, respondió Don Quijote; y si no me quejo del dolor, es porque no es dado a los caballeros andantes quejarse de herida alguna, aunque se le salgan las tripas por ella. Si eso es así, no tengo yo que replicar, respondió Sancho; pero sabe Dios si yo me holgara que vuestra merced se quejara cuando alguna cosa le doliera. De mí sé decir, que me he de quejar del más pequeño dolor que tenga, si ya no se entiende también con los escuderos de los caballeros andantes eso del no quejarse.

É uma das mais célebres e glosadas passagens da História da Literatura. Refiro-me à cena dos moinhos do Quijote. São menos de 5000 caracteres. Ou seja, pouco mais de duas páginas. Em poucas palavras se resumem o sonho, o delírio e a aventura. A diversão, também. Quando li o Quijote fiquei surpreendido por uma tão significativa passagem - a mais citada na obra? - ser tão breve.

O desenho é de Gustave Doré (1832-1883) e data de 1863.

domingo, 24 de agosto de 2014

MALOS PASOS


Foi um amigo da Câmara de Moura quem me levou a Malos Pasos, há algum tempo. Na luz do ocaso, o sítio parecia tristonho. Soprava um vento - do género do que tantas vezes se ouve nos filmes de Fellini -, fazendo oscilar as árvores. Havia três pedras, assinalando o facto histórico de ali ter sido encontrado o corpo de Humberto Delgado.

Regressei a Malos Pasos, há cerca de semana e meia. Outra vez num final de tarde, agora com calor, e muitas moscas. Num sistema de transmissão de conhecimentos, quis mostrar o sítio a um jovem Manuel, por sinal também o nome do amigo da autarquia.

A visita confirmou algumas impressões da primeira deslocação:

1. O aspeto geral do sítio é pífio e teria sido fácil fazer melhor;
2. O monumento não honra devidamente um personagem e um momento chave do século XX português;
3. Pior ainda, nas várias lápides que assinalam o episódio histórico, têm maior visibilidade os homenageadores que o homenageado.

Prevejo nova lápide em 13 de fevereiro de 2015.

A ESPECULAÇÃO FINANCEIRA, CONTADA ÀS CRIANÇAS E AO POVO


Falando a sério, era de um livro desses, como os de João de Barros, que agora precisava. Há uma catadupa de palavras e expressões que me escapam: - maturidade da dívida, dívida soberana, hedge-funds, crises da dívida pública etc.

Duas coisas, em especial, gostaria que alguém dotado nestas coisas do economês, me explicasse:

1. Qual a razão da fúria, contra o Estado Português, de investidores de fundos de alto risco? Cito do jornal Expresso de há duas semanas:

Segundo o "The New York Times" (NYT), alguns fundos alternativos que investem em ativos de alto risco (hedge-funds) estão "furiosos" com a perspetiva de virem a perder a totalidade do seu investimento.
Entre os fundos estão o Third Point, do investidor Daniel S. Loeb, a GLG, a Aurelius, a Golden Tree e a VR Global, adianta o "NYT" citando fontes da banca e advogados envolvidos no processo. 
Se investem em ativos de alto risco - não faço a mínima ideia como funcionam - não querem correr riscos? Os riscos só são riscos quando se lucra? Os alto risco é só uma figura de estilo?

Seja lá como for, é sempre divertido ver especuladores (se for disso que se trata) a arder.

2. As auditorias forenses (raio de nome mais macabro...) são regulares ou são feitas apenas quando se suspeita que há marosca? 


A ciência forense, antes dos burocratas e dos financeiros tomarem conta das nossas vidas. De anatomische les van DrNicolaes Tulp é uma pintura de Rembrandt, datada de 1632. Está hoje em exposição no Mauritshuis, na cidade de Haia.

sábado, 23 de agosto de 2014

JOSÉ NELA - III

Mais uma extraordinária obra do pintor mourense José Nela. Tal como as anteriores, faz parte do espólio da Câmara Municipal de Moura.

Acho uma graça especial a esta, de final dos anos 70. Alude a uma popularíssima série televisiva, Sandokan, que passava na RTP, às sextas, depois do jantar.

No quadro, Sandokan parece ter um ar pouco amistoso, erguendo o que parece ser uma cimitarra. Ao seu lado, está Mariana. Têm ambos água pela cintura, num enquadramento pouco comum. Ao fundo, numa cena de batalha, surgem as típicas figurinhas de José Nela, que hoje diríamos trabalho de copy-paste, dada a semelhança que têm entre si. Domina o tom vermelho, que chama a atenção para os pontos cruciais da cena, como tantas vezes faziam os naturalistas. O pintor não tinha conhecimentos teóricos, mas a intuição estava lá.


Legenda:
MARIANA-O-MISTÉRIO
SADOKAM-O TIGRE-DA-MALAZIA

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

LIMITES DIFUSOS

O falecimento de Barbara deGenevieve (1947-2014), ocorrido há poucos dias, é o pretexto para esta curtíssima referência à carreira da fotógrafa e professora norte-americana. Não são tanto as áreas pouco fáceis - pornografia, transexualidade - em que a autora se movimentava que me causam perturbação. Mas um dos seus projetos, em concreto, lançou-me dúvidas sérias. E, porventura, irresolúveis. Em The Panhandler Project Barbara de Genevieve pegou em cinco sem abrigo negros, pagou 100 dólares a cada um para se despirem e posarem nús. Para além desse pagamento, a fotógrafa pagava-lhes uma noite de hotel e o pequeno-almoço no dia seguinte. Numa das sessões fotográficas, o improvisado modelo é convidado a ver um filme pornográfico, para atingir o estado de ereção. Sou pouco dado a falsos moralismos, mas o aproveitamento da sexualidade é, aqui, gratuito e no limiar da pornografia. A intervenção social ou política num registo mais clássico ou formal não são o terreno de autora. Em que ficamos então? À falta de melhor no peep-show. Não vejo outra resposta.
Veja-se o vídeo em:
http://vimeo.com/29540736

E leiam-se 20 perguntas muito pertinentes em:
http://icpbardmfa.wordpress.com/2011/03/17/20-interrogations-about-barbara-degenevieves-panhandler-project/

Site da artista:
http://www.degenevieve.com

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

ESSE PERIGOSO GINECEU

Parece anedota, mas a ignorância dos bufos da PIDE tudo permitia. O episódio teve lugar no dia 4 de dezembro de 1968 e nele participou o meu amigo João Cordovil. A ocupação da sala das alunas do ISCEF pelos alunos motivou várias intervenções e diversas referências ao GINECEU. Tanto bastou para que o diligente informador declarasse no seu relatório a propósito do GINECEU "não sabemos se é alcunha mas procuraremos saber ao certo".

Não há coisa mais divertida que a estupidez feita convicção.



A propósito de gineceu, aqui fica outro, bem autêntico, pintado pelo orientalista Jean-Léon Gérôme em 1850:

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

AFINAL, ISTO ERA UM RAIO DE UM FILME PARA ESCUTEIROS...

Foi há bem mais de 30 anos, no velho Cineteatro Caridade, em Moura. Passava o filme Dersu Uzala, de Akira Korosawa, um produção nipónico-soviética de meados dos anos 70. Não era bem o tipo de Kurosawa que eu esperava, mas aquela história de camaradagem e de um percurso todo ele rodeado pela taiga, agradou-me bastante. Recordo, em particular, esta cena, vivida em torno da construção de um abrigo.

No final da projeção, um furioso Francisco, que eu arrastara para o cinema, desabafava "afinal, isto era um raio de um filme para escuteiros... grande seca!".

Dersu Uzala não é uma seca, nem um filme de declínio na carreira do mestre japonês. Mas é provável que seja interessante para um escuteiro vê-lo.

Aqui fica um excerto do meu filme desta semana:


terça-feira, 19 de agosto de 2014

AUGUSTO - 2000 ANOS DEPOIS

Faz hoje 2000 anos que o imperador Augusto faleceu, na lonjura de Nola, uma cidade da Campânia. Poucos homens como ele terão, de forma tão decisiva e decidida, ajudado a mudar, e a moldar, o mundo.

Augusto faleceu com apenas 51 anos, mas teve todo o tempo para acabar de moldar um império e para deixar traços na História, que permanecem até hoje.

A História de Roma nunca foi um dos meus temas favoritos, mas recordo bem o interesse que me despertou o túmulo desse homem singular. Lembro-me, com toda a nitidez, da tarde chuvosa de abril de 1992, em que percorri a Via di Ripetta à procura do mausoléu. A pouca luz daquele dia acentuou a melancolia do momento. E tornou mais evidente a modéstia da última morada de Augusto, sobretudo se comparada com o espavento do mausoléu de Adriano.


A Roma sepultada en sus ruinas


Buscas en Roma a Roma, ¡oh peregrino!,
y en Roma misma a Roma no la hallas:
cadáver son las que ostentó murallas,
y tumba de sí propio el Aventino.

Yace, donde reinaba, el Palatino;
y limadas del tiempo, las medallas
más se muestran destrozo a las batallas
de las edades que blasón latino.

Sólo el Tibre quedó, cuya corriente,
si ciudad la regó, ya, sepultura,
la llora con funesto son doliente.

¡Oh Roma!, en tu grandeza, en tu hermosura,
huyó lo que era firme, y solamente
lo fugitivo permanece y dura.

O poema é de Francisco de Quevedo (1580-1645)

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

EL CAMINO DE LAS BALDOSAS AMARILLAS


Se há maneira de estropiar a magia de um filme a dobragem é mais perfeita de todas elas. Em Espanha, nunca falha. Na ida para Madrid fui há dias surpreendido com a notícia dos 75 anos de O feiticeiro de Oz. Um dos mais belos filmes do mundo. No meio do texto surgiu um tal Antoine Santuperi - presumo que se trate de Antoine de Saint-Exupéry - e a referência à obra El camino de las baldosas amarillas. Não há poesia que resista...

Sigamos essa estrada do sonho, ainda assim.


A Yellow Brick Road fica em Rosedale, no estado do Maryland. Yellow mesmo só os traços na estrada e o carro das mudanças.

domingo, 17 de agosto de 2014

DE MELILLA A ZURIQUE

Dourudi Makalla, Mujinga Kambudji, Karim Benmouaiss, Mohamed Farah, Bashir Abdi, Dabaya Badhaso, Menouar Benfodda, Khalid Choukoud, Francis Obikwelu, Asaf Bimro, Yared Shegumo, Meraf Bahta, Homiyu Tesfaye...

Estou a falar de cidadãos e cidadãs de Itália, Suíça, Espanha, Grã-Bretanha, Bélgica, Noruega, França, Holanda, Portugal, Israel, Polónia, Suécia e Alemanha.

São nossos compatriotas e nossos iguais. Porque o seu estatuto está ligado ao seu talento e à sua capacidade física. São os gladiadores do século XXI. 


Africanos na fronteira europeia de Melilla. Quando passar barreiras tem pouco a ver com atletismo.

sábado, 16 de agosto de 2014

DA ESTÉTICA FARFISA AO PUNK


Há trinta e tal anos não havia youtube, nem mp3. Os discos eram uma rodela preta em vinil (singles e LP's, consoante a duração). As novidades chegavam a conta-gotas e para ouvir o rock que não se fazia por cá havia dois programas: o Rock em Stock, de Luífs Filipe Barros, e o Rolls-Rock, de António Sérgio. Preferia o primeiro, até porque às 4ªs feiras tinha um cantinho para as bandas de ska e de reggae. O ska e o reggae são um bocadinho farfisa e é por isso que gosto dos Specials, tal como gosto daquele órgão nas músicas do Roberto Carlos...

Foi graças a todos eles que fui desembocar, faz hoje 35 anos, num festival de rock do qual não reza a História... Quando acordei, no dia a seguir, tinha a sensação de me terem metido um Black & Decker nos ouvidos.

Se alguém quiser procurar coisas no google faça favor. Direi apenas que destes grupos emergiu apenas, e tanto quanto me lembro, Annie Lennox, que era então a vocalista dos Tourists. Que, mesmo assim, deu barraca ao cantar o I saw her standing there. Enganou-se a meio e tiveram de recomeçar. Aqui para nós, que ninguém nos ouve, eu também gostava dos 999 e do seu the biggest prize in sport (ouvir aqui), que ao vivo era bem pior que ao morto.

Contradições do escriba, ainda hoje continuo a gostar da estética farfisa, tanto quanto gosto do punk.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

PAVILHÃO DAS CANCELINHAS - DOIS PASSOS EM FRENTE

Estado da obra no final da passada semana. O Pavilhão das Cancelinhas avança, tal como avançarão outras intervenções em que nos empenhámos.

Só por pura e crassa ignorância se dirá, como alguns têm dito, que o pretexto para se lançar esta obra foram os fundos comunitários...

A história e o estado deste projeto serão o tema da minha próxima crónica em "A Planície". Aí se esclarecerão alguns equívocos que ainda pairam. E se derrubarão espantalhos que alguns insistem em agitar.


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

SANGRE DE CRISTO


Post pessoal para uma amiga a quem a expressão Sangre de Cristo diz, hoje, muito. Este é um Cristo diferente. O rapper Kanye West posou para David LaChapelle. O ambiente de fusão das fotografias de LaChapelle tem muito a ver com o ambiente de grande cruzamento de culturas que essa minha amiga vai conhecer e viver durante os próximos tempos.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

OS POBREZINHOS

"Na minha família os animais domésticos não eram cães nem gatos nem pássaros; na minha família os animais domésticos eram pobres. Cada uma das minhas tias tinha o seu pobre, pessoal e intransmissível, que vinha a casa dos meus avós uma vez por semana buscar, com um sorriso agradecido, a ração de roupa e comida.
Os pobres, para além de serem obviamente pobres (de preferência descalços, para poderem ser calçados pelos donos; de preferência rotos, para poderem vestir camisas velhas que se salvavam, desse modo, de um destino natural de esfregões; de preferência doentes a fim de receberem uma embalagem de aspirina), deviam possuir outras características imprescindíveis: irem à missa, baptizarem os filhos, não andarem bêbedos, e sobretudo, manterem-se orgulhosamente fiéis a quem pertenciam. Parece que ainda estou a ver um homem de sumptuosos farrapos, parecido com o Tolstoi até na barba, responder, ofendido e soberbo, a uma prima distraída que insistia em oferecer-lhe uma camisola que nenhum de nós queria:
- Eu não sou o seu pobre; eu sou o pobre da minha Teresinha.
O plural de pobre não era «pobres». O plural de pobre era «esta gente». No Natal e na Páscoa as tias reuniam-se em bando, armadas de fatias de bolo-rei, saquinhos de amêndoas e outras delícias equivalentes, e deslocavam-se piedosamente ao sítio onde os seus animais domésticos habitavam, isto é, uma bairro de casas de madeira da periferia de Benfica, nas Pedralvas e junto à Estrada Militar, a fim de distribuírem, numa pompa de reis magos, peúgas de lã, cuecas, sandálias que não serviam a ninguém, pagelas de Nossa Senhora de Fátima e outras maravilhas de igual calibre. Os pobres surgiam das suas barracas, alvoraçados e gratos, e as minhas tias preveniam-me logo, enxotando-os com as costas da mão:
- Não se chegue muito que esta gente tem piolhos.
Nessas alturas, e só nessas alturas, era permitido oferecer aos pobres, presente sempre perigoso por correr o risco de ser gasto
(- Esta gente, coitada, não tem noção do dinheiro)
de forma de deletéria e irresponsável. O pobre da minha Carlota, por exemplo, foi proibido de entrar na casa dos meus avós porque, quando ela lhe meteu dez tostões na palma recomendando, maternal, preocupada com a saúde do seu animal doméstico
- Agora veja lá, não gaste tudo em vinho
o atrevido lhe respondeu, malcriadíssimo:
- Não, minha senhora, vou comprar um Alfa-Romeu
Os filhos dos pobres definiam-se por não irem à escola, serem magrinhos e morrerem muito. Ao perguntar as razões destas características insólitas foi-me dito com um encolher de ombros
- O que é que o menino quer, esta gente é assim
e eu entendi que ser pobre, mais do que um destino, era uma espécie de vocação, como ter jeito para jogar bridge ou para tocar piano.
Ao amor dos pobres presidiam duas criaturas do oratório da minha avó, uma em barro e outra em fotografia, que eram o padre Cruz e a Sãozinha, as quais dirigiam a caridade sob um crucifixo de mogno. O padre Cruz era um sujeito chupado, de batina, e a Sãozinha uma jovem cheia de medalhas, com um sorriso alcoviteiro de actriz de cinema das pastilhas elásticas, que me informaram ter oferecido exemplarmente a vida a Deus em troca da saúde dos pais. A actriz bateu a bota, o pai ficou óptimo e, a partir da altura em que revelaram este milagre, tremia de pânico que a minha mãe, espirrando, me ordenasse
- Ora ofereça lá a vida que estou farta de me assoar
e eu fosse direitinho para o cemitério a fim de ela não ter de beber chás de limão.
Na minha ideia o padre Cruz e a Saõzinha eram casados, tanto mais que num boletim que a minha família assinava, chamado «Almanaque da Sãozinha», se narravam, em comunhão de bens, os milagres de ambos que consistiam geralmente em curas de paralíticos e vigésimos premiados, milagres inacreditavelmente acompanhados de odores dulcíssimos a incenso.
Tanto pobre, tanta Sãozinha e tanto cheiro irritavam-me. E creio que foi por essa época que principiei a olhar, com afecto crescente, uma gravura poeirenta atirada para o sótão que mostrava uma jubilosa multidão de pobres em torno da guilhotina onde cortavam a cabeça aos reis"



Foi assim. Recuperou-se a Esperança, um muito bom efeito publicitário. O texto de António Lobo Antunes, que é excecional, resume muito bem isto tudo. A complacência, a caridade, a sobranceria, a arrogância...

A escola primária da Esperança fechou. Isto anda tudo ligado.