terça-feira, 15 de janeiro de 2013

CARLOS PINHÃO - 20 ANOS DEPOIS

Naquela tarde de 19 de novembro de 1978 houve festa na Luz. O Benfica goleou o Sporting por 5 a 0 (resultado feito na primeira parte). O Presidente da República assistiu ao jogo. Nessa mesma tarde, a APU quebrava um impasse político na Câmara de Évora e conquistava a maioria absoluta numa eleição intercalar. Título de A Bola no dia seguinte: Tarde Vermelha com Eanes a assistir. Autor da "brincadeira": o jornalista Carlos Pinhão.

Comentei o facto a Carlos Pinhão quando o conheci, em 1982 ou 1983. Ficou surpreendido e agradado por me recordar do título, passado tanto tempo. A minha missão era simples. Indicar, a pedido do Rafael Rodrigues, o caminho para Moura a Carlos Pinhão e a Batista-Bastos, e acompanhá-los ao longo desses dias. Cheguei cedo à casa de Carlos Pinhão. Fui surpreendido, depois de o cumprimentar formalmente, com a exigência de nos tratarmos por tu. O que me deixou muito pouco à vontade. Depois, mais espantado fiquei quando me perguntou, com ar preocupado, "achas que o Batista-Bastos conduz bem?". Nunca tinha visto o Batista-Bastos na vida e não fazia a mínima ideia, mas achei piada ao tom juvenil da pergunta. Para quebrar o gelo, resolvi elogiar um livro de Carlos Pinhão. Ele ouviu e depois disse "acho bem que gostes desse livro, mas não é meu, é do Castrim". Corei até ao tom púrpura, mas ele resolveu o assunto com um "deixa lá, já dei barracas piores".

Foi o começo de um fim de semana absolutamente inesquecível. Que só fez para aumentar a enorme admiração que tinha pelo trabalho jornalístico de Carlos Pinhão e pela verticalidade da sua postura cívica. Contou imensas histórias - sobre os problemas da Bola no PREC, sobre as visitas à URSS, sobre a forma de trabalhar na redação -, com elegância, graça e calma. O que me pareceu decisivo nesse contacto com Carlos Pinhão foi o seu domínio do métier (nessa altura eu ainda queria ser jornalista), a sua enorme cultura e a sua capacidade em ouvir e em registar. O que ía a par com um modéstia e uma simplicidade verdadeiramente tocantes.

Voltei a encontrá-lo mais umas duas ou três vezes. Sempre simpático e descontraído. Sempre a escrever com leveza e humor. À despedida dizia sempre "vê lá se apareces lá em casa; tens o número, é só telefonares". Ficava envergonhadíssimo, dizia que sim e, claro, nunca telefonei. Continuei apenas a lê-lo, regularmente e com uma admiração crescente.

Carlos Pinhão partiu cedo demais, faz hoje vinte anos. É uma daquelas pessoas que, por uma razão ou por outra, recordo com regularidade.

2 comentários:

rafael rodrigues disse...

eEra no tempo em que estavam apostados na promoção cultural, em particular no interior, ao qual se deslocavam com enorme vontade de participar e de se aproximar dos leitores e da população. Não eram deuses e andavam na terra

Santiago Macias disse...

É mesmo, Rafael. O teu comentário vem mesmo a propósito. Homens entusiastas como o Pinhão fazem tanta falta!