domingo, 11 de novembro de 2012

QUANDO A PRAÇA PARECIA MAIS RUA QUE PRAÇA

O desenho feito por Nicolau de Langres em 1657 é a mais antiga planta de Moura que se conhece. A configuração e o traçado das ruas que mostra corresponde, em grande parte, ao que hoje conhecemos, excluindo os bairros, muito mais recentes, da Salúquia e do Sete e Meio.

A Praça Sacadura Cabral, por exemplo, apresenta um desenho que é idêntico ao que hoje podemos ver. Na verdade, a nossa “praça” não é bem uma praça, mas antes um vasto terreiro, que circunda a sul o castelo, acompanhando o traçado das muralhas. Para que não restem dúvidas, estas localizavam-se onde estão os edifícios do mercado municipal, da Câmara e da biblioteca.

A linha recortada da praça, ou a pouca regularidade da sua planta, sempre me pareceu pouco lógica. Ou, pelo menos, sem uma explicação evidente. A leitura recente do segundo volume do Tombo da Vila de Moura veio lançar luz sobre um aspeto pouco conhecido do urbanismo da nossa terra. O documento, de 1575, é claro: “a praça da vila era tão estreita que parecia mais rua que praça”. Decidiu-se então que deveria ser alargada. Os métodos eram expeditos. Compraram-se casas para serem demolidas, estabelecendo-se um limite de 300.000 réis (1,5 €, na moeda dos nossos dias) para tais aquisições. Seriam nomeados dois avaliadores “sem sospeita”, sendo um deles designado pelos proprietários. Um terceiro faria o desempate, caso fosse necessário. A engenharia financeira era pouco complexa. As verbas viriam da renda de um baldio do concelho e de 50.000 réis que o Convento do Carmo desembolsara para compra de um terreno municipal. Determinava-se ainda que, quando a obra de alargamento estivesse terminada, “se mude pera ella a feira da ditta vila”.

Voltemos então à configuração da praça. Os documentos escritos são escassos, mas a malha urbana conta-nos, por vezes, a história dos sítios. As zonas mais espaçosas em frente à Câmara e ao Mercado devem ter correspondido às áreas demolidas. Ou seja, o quarteirão que termina nas esquinas das ruas Miguel Bombarda (outrora do Morgadinho) e Conselheiro Augusto de Castro (que já foi das Tendas) devia prolongar-se mais alguns metros, conforme se propõe na planta em anexo. De igual modo, deveria existir outro quarteirão na zona em frente dos Paços do Concelho. A falta de simetria que hoje constatamos aparece-nos, assim, corrigida, nesta hipótese de trabalho. O desenho é uma aproximação, sem possibilidade de verificação concreta. Algum dia a faremos? Talvez, embora me pareça pouco provável que os fundos documentais nos possam adiantar muito mais ou clarificar as zonas de penumbra. O futuro o dirá.



Nota: Tive a colaboração neste trabalho dos colegas Rafael Reis e Sérgio Delgado, que redesenharam a praça e a quem agradeço. Agradeço também ao André Linhas Roxas que, sugestivamente, comentou a minha proposta “tá muito bonito; parece a mascarilha do Lone Ranger”.

Esta (re)leitura do urbanismo de Moura foi publicada no jornal "A Planície" de dia 1 de novembro de 2012.

1 comentário:

José Francisco disse...

Na minha opinião esta configuração da praça, prolongando a actual Rua Santana e Costa por mais alguns metros até à esquina da Rua Conselheiro Augusto de Castro (Antiga Rua das Tendas), vem justificar em pleno a sua designação medieval de "Rua Longa".