quinta-feira, 11 de agosto de 2011

SIADAP

A história é verídica e foi-me contada pelo próprio, um pintor de grande prestígio (na verdade, um dos grandes nomes da pintura portuguesa da segunda metade do século XX). Em dada altura, foi contactado pelo responsável pelo setor intelectual do partido que lhe disse, em tom preocupado: "olha lá camarada, disseram-nos que andas a pintar abstrato". O pintor riu às gargalhadas, tal como o dito responsável, que também achava a preocupação disparatada. E era.

Há conceitos que se repetem. A Inspeção Geral de Finanças, que não deve ter muito que fazer, resolveu, no âmbito de uma coisa estúpida e inútil que dá pelo nome de SIADAP, inquirir os utentes da Cinemateca sobre uma série de coisas. Entre as quais a programação. Parece-me extraordinário que a IGF se preocupe com a programação da Cinemateca Portuguesa, um dos poucos sítios onde podemos ver cinema só pelo prazer de ver cinema. Sim pipocas nem colas nem batatas fritas.

Não imagino o que virá aí. Mas dá para desconfiar que alguém não percebeu que a programação da Cinemateca não pode ser plebiscitada, "pssst, mais um pouco de expressionismo se faz favor", "o Kiarostami é muito parado, é melhor um ciclo do Steven Seagal"... Programar é escolher e orientar. Com espírito aberto, mas com firmeza.

O último filme que vi na Cinemateca foi All that Heaven allows. Depois de o ver tive a certeza. Gosto mais do "remake" Far from Heaven que do original. Só rezo - rezo mesmo, eu que sou agnóstico - que os da IGF gostem de cinema. É que nem imagino a despesa que a Cinemateca, com todos esses filmes parados e antigos e a preto e branco, gera.


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