segunda-feira, 3 de maio de 2010

UMA IDA AO ESTÁDIO

Não me lembro qual foi a primeira vez que entrei naquele estádio. Não tem bancadas nem balizas nem relvado. Na verdade, podemos ver tudo isso, mas só na pintura que ocupa a parede do fundo, num registo torto e encantador, a fazer lembrar as pinturas de José Nela. O Estádio é um sítio difícil de classificar, mas a expressão mais apropriada seria tasca não muito recomendável. Foi aí, contudo, que passei alguns dos melhores momentos dos tempos de estudante. Na altura, há quase 30 anos, era sítio frequentado por estudantes, boémios profissionais e alguns vencidos da vida. Não havia beautiful people nem gente à procura de ambientes exóticos ou de emoções fortes. Uma vez caí na asneira de levar lá uma amiga que me queria conhecer melhor. Olhou o ambiente, de ar desconfiado, para parar num grupinho ao fundo e dizer “isto não é grande coisa, mas gosto daquelas velhotas de ar maternal”. Virei a cabeça e depois esclareci-a “são putas reformadas, minha linda”. Miraculosamente, depois desta e de outras do mesmo calibre, ainda continua a ser minha amiga. Há pessoas assim…

Foi lá que conheci o Cabeça de Vaca, um dos mais reputados boémios de Lisboa. Foi-me apresentado pelo companheiro daquela noite, cujo nome omitirei, por ser meu amigo e, sobretudo, por ser um dos maiores especialistas portugueses em arte barroca. Não se lixam carreiras assim. O melhor do Estádio era, para além de um ambiente de absoluto abandono e decadência, o juke-box. Não sei quantos aparelhos daqueles ainda existem em Lisboa, mas espero que o juke-box do bar ainda seja o mesmo. Em 1984 ou 85 os êxitos discográficos incluíam Júlio Iglésias, os Fevers e Teixeirinha, o grande ídolo da música gaúcha. Se à época estavam mais que desactualizados, imaginem hoje. Investi bastante naquele juke-box, sendo que o capital investido era directamente proporcional às Sagres que ia bebendo. Os economistas, que sabem tudo, devem ter explicação para estas coisas.


Espero também que, com o passar dos anos não tenham tido a tentação de mudar as mesas de tampo de mármore nem as cadeiras em madeira. Nem o balcão, nem a pintura do fundo. O Cabeça de Vaca é que já não encontram, de certeza. Morreu em pleno Estádio no Verão de 1986.


O Estádio fica na Rua de S. Pedro de Alcântara, em Lisboa. Se é que ainda existe.

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Crónica publicada em A Planície de 1 de Maio de 2010. Não arranjei nenhuma fotografia do Estádio. Deixo-vos esta. Tirando o burro, bate tudo mais ou menos certo.

5 comentários:

Teresa Sindicato disse...

Existe existe!

vê lá se é este: http://www.facebook.com/people/O-Estadio-Bairro-Alto/100000393741532

Rita Custódio disse...

Sim, existe!!!!! Ainda é quase como o descreves!

Santiago Macias disse...

Isso do QUASE preocupa-me...

Anónimo disse...

O Santiago que não se preocupe que o Estádio ainda existe e de boa saúde. E sem "quase".

Mário de Sá-Carneiro

Pedro Palma disse...

Ainda na Quinta-feira passada lá estive. A juke Box ainda toca, as mesas continuam de mármore e as cadeiras de madeira. As baratas não são as mesmas, mas é possível que sejam as netas. A casa de banho, pelo que se diz, continua com o seu odor característico, enfim, continua a tasca não recomendável onde se vivem bons momentos!!