quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A FALTA QUE AMA

Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.
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Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.
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A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.
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Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se inteira,
em letras de conclusão.
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Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?
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O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.
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No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?
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Carlos Drummond de Andrade
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Ternura e posse, paixão e pose, personalidade e lirismo. Todas estas palavras estão bem de acordo com a obra única do fotógrafo maliano Seydou Keita (1921-2001). Nascido em Bamaco, trabalhou a partir do final da década de 40 como artista de estúdio. As imagens que produziu, mais de 10.000, eram feitas a partir de negativos 13x18. A sua obra foi descoberta tardiamente mas ainda a tempo de um reconhecimento em vida.
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Poucos textos iriam melhor com as fotografias de Seydou Keita do que um poema de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), outro lírico intenso e apaixonado.

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